segunda-feira, 1 de março de 2010

O imaginário religioso do homem latino-americano

José de Deus Luongo da Silveira

“Cuando encuentres la gente mas amistosa que hayas conocido, que te introduce al mas adorable grupo que hayas jamás encontrado, y encuentras que su líder es la persona mas inspirada, cuidadosa, compasiva y comprensiva que hayas conocido, y en ese momento te enteras de que la causa del grupo es algo que nunca habías esperado que pudiera ser encarada, y todo esto suena demasiado bueno para ser cierto, ¡probablemente es demasiado bueno para ser cierto! No dejes tu educación, tus esperanzas y ambiciones para seguir un espejismo”.
(JEANNIE MILLS, ex-adepta do Templo do Povo, de Jim Jones, sobrevivente do massacre da Guiana e posteriormente encontrada assassinada).

      O homo religiosus é sempre um ser escatológico, porque todas as religiões, e de modo especial o cristianismo, baseiam-se na dimensão da “fé que procura compreender-se a si mesma e fazer-se compreender pelos outros”.
      O mistério fundamental da revelação é a aceitação, pela fé, da presença do sagrado, ou a hierofania, é o acolhimento de uma dimensão da existência que não está contida na facticidade. Esse encantamento do mundo reorganiza os espaços entre o aqui, o agora e o depois, o além.
       A religião, acima de tudo a religião cristã, é a manifestação numa comunidade, de um logos de theos, é um povo que caminha na força do amor, sendo “o amor mais do que uma conseqüência da fé”.
       Essa procura de significado para a existência tem sido a grande preocupação do homem através dos tempos. E, na América Latina, verifica-se um fenômeno religioso muito complexo, talvez por falta de uma sólida instrução religiosa que tem raízes no processo colonizador.
      A América Latina sempre foi um campo fértil para os movimentos messiânicos onde a religiosidade popular cria uma mistura entre o profético, o apocalíptico e o escatológico.
      Outra expressão da religiosidade latino-americana é o sincretismo, como uma forma de mistura superficial, onde não se oferece nenhuma unidade ou sistematização, e onde se diluem as diferentes identidades religiosas. O sincretismo religioso do brasileiro e do latino-americano é expresso na obra de Guimarães Rosa, em Grande Sertões Veredas:
    “Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. [...] Tudo me quieta, me suspende qualquer sombrinha me refresca”.(GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. 14 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 15).
    Quanto aos movimentos messiânicos, nascidos da religiosidade popular, esses sempre existiram, em todos os lugares: entre os babilônicos, judeus, portugueses, guaranis, etc. É possível que as raízes do messianismo latino-americano esteja na situação de pobreza do povo, aliada a uma religiosidade latente que busca se manifestar por meio da promessa de um paladino, de um libertador.
     As novas seitas religiosas estão impregnadas de conteúdo messiânico e apresentam o tempo presente, como um período do mal, repleto de tensões e catástrofes. Nessa atmosfera de misticismo, surgem homens e mulheres, anunciando o castigo de Deus e preparando os eleitos para o combate final.
     Ao voltar um olhar retrospectivo sobre a história da América Latina, percebe-se que o messianismo faz parte da nossa história, já no início, foi decantada pelos colonizadores, como uma terra sem-males. Surgem os Muckers (beatos) no Rio Grande do Sul, em 1824; Antonio Conselheiro e Canudos, no nordeste brasileiro, em 1877; João Maria e o Contestado Catarinense, em 1907; o messianismo inca, no processo anticolonial do Peru, de 1780 até 1840; o Movimento Messiânico de Resistência Guarani à Colonização de 1537-1660; a própria Teologia da Libertação é messiânica, na medida em que a salvação deve ser antecedida pelas libertações históricas dos oprimidos, a articulação entre a libertação soteriológica e a libertação ético-social; no México com os Zapatistas (Exército Zabatista de Libertação Nacional), na Argentina com os justicialistas, idealiza-se a libertação dos pobres e injustiçados; atualmente, na Venezuela, unem-se o caudilhismo e o messianismo, com Tenente Coronel Hugo Chávez, que é apresentado por uma camada da população, como o libertador das crises políticas e econômicas daquele país.
     O imaginário coletivo dos movimentos messiânicos na América Latina sustém-se como um fenômeno nascido de certo vazio cultural e do desalento de um povo que está cansado de esperar pelas transformações sociais. Nesse contexto, a religião funciona como o último baluarte, no qual se mistura o sonho do melhor, a crença da proximidade do dia em que o messianismo triunfante sucederá ao messianismo sofredor.
     O homem latino-americano é profundamente crédulo e simples e a religiosidade da população índia, negra e mestiça possui fortes traços de misticismo, onde a problemática da transcendência dá sentido à vida e onde “a esperança não pode ser senão uma luta ativa contra o desespero”.
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GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. 14 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 15.
LEPARGNEUR, Hubert. Esperança e escatologia. São Paulo: Paulinas, 1974, p. 68.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Messianismo no Brasil e no Mundo. São Paulo: Dominus Ed/USP, 1965, p. 90-112
MARASCHIN, Jaci. Tendências da Teologia no Brasil. Coleção Teologia no Brasil, n. 4
MONDIN, Battista. Antropologia Filosófica: Problemas e Perspectivas. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 8.
SANTO AGOSTINHO. in: De Civitate Dei. Paris: Opera Omnia, 1838, XIV, 28
RECTOR, Mônica; NEIVA, Eduardo. Comunicação na Era Pós-Moderna. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 85.
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas, 1967, p. 488. São Paulo: Aste, 1977, p. 138-152
WOODROW, Alain. As Novas Seitas. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 120
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* Escatologia vem do grego schatón e significa as últimas coisas, fim do tempo. Para Santo Agostinho os intervalos temporais, o saeculum (este tempo) e a aeternitas (a eternidade) são o centro da história escatológica. (Vide Santo Agostinho, in: De Civitate Dei. Paris: Opera Omnia, 1838, XIV, 28).
* A revelação contínua, crescente e progressiva no tempo, chama-se teofania, ou epifania, a manifestação da revelação no tempo.
* Hierofania, algo de sagrado que nos é comunicado. (Vide ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano:
* Apocalipse, palavra grega que significa revelação feita diretamente por Deus.
* O termo seitas vem do verbo latino secare que significa cortar, ou do verbo sequor que significa seguir. (Vide WOODROW, Alain. As Novas Seitas. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 120); O Guia Ecumênico da CNBB, afirma também que o vocábulo seita vem do latim secta e significa cortada. A palavra seita na Vulgata é traduzida pela palavra grega háiresis, significando, literalmente, heresia. (Vide Guia Ecumênico: Estudos da CNBB. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1984, 271).
 * Logos e Théos são expressões paradoxais, enquanto Logos significa reunir, recolher, ou o conceito popular de aquilo que é lógico; Théos refere-se a Deus, o inatingível, o transcendental. O principal problema da fé encontra-se nessa lógica do absurdo para a razão. (Vide MARASCHIN, Jaci. Tendências da Teologia no Brasil. Coleção Teologia no Brasil, n. 4, São Paulo: Aste, 1977, p. 138-152.

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